terça-feira, junho 28, 2005

Aprendendo a sambar.

Dos dias em que eu ficava sozinho em casa, eu pensava que nada acontecia. De certa forma eu até poderia considerar ser verdade, mas no frigir dos ovos as coisas aconteciam de maneiras diversas. Diversas na minha imagem, diversas nos meus sonhos. Diversas na realidade. Afinal de contas eu não estava no centro nem na periferia dos fatos. Eu estava onde deveria estar (pelo menos eu achava isso).
Saí de casa cedo, sem pensar para onde iria. Não queria pensar em nada, não sabia que horas voltaria. Beber? Acho que não. Não naquela noite, eu não me sentia bento para isso. Eu queria sambar. É. Sambar! E nem era época de carnaval. Mas por acaso para sambar precisa ter época?
Imaginei alguns lugares aos quais eu poderia ir, porém fiquei completamente indeciso. Eu só queria sambar.
O relógio batia vinte horas. Em frente da minha casa tinha um bar que costuma ficar cheio até às vinte e três. Era o “Bar do Portuga”. Toda cidade grande tem o melhor de alguma coisa. O “Bar do Portuga” tinha o melhor bolinho de bacalhau de Belo Horizonte. Para mim o bolinho nem era tão importante. Lá tinha o melhor papo da cidade.
Tinha – falo no passado porque faz tempo não apareço por lá – três sujeitos que considero até hoje. João, Zé Luis e Noel. Três figuras de tirar o chapéu. Em cinco anos de faculdade aprendi muito com eles também.
Pois é, mas o fato era que eu queria sambar. Sambar! Sabe aquela vontade de ouvir a música que mexe com você? Que te faz dançar sem saber dançar? Então, eu estava com aquela vontade. Saí de casa, João, Zé Luis e Noel estavam no “Portuga”, tomando aquela cerveja bem gelada. Cheguei, pedi um copo e me infiltrei na conversa. O Noel era quase sempre do contra, adorava contrariar, mas eu, naquele dia, nem queria dar corda. Meus pensamentos estavam em outro lugar, numa roda de samba.
E logo eu, que não era chegado em dançar (até hoje não sei dançar); mas fazer o quê? Nessa noite eu queria dançar. Eu queria sambar! Mesmo que meu sambar fosse mexer o corpo e levantar os dedos.
“Preparei uma roda de samba só pra ele, mas se ele não sambar, isso é problema dele”. Quer música melhor para quem não sabe sambar? Sambei! Mesmo sozinho, sambei. Foi problema só meu. Sem saber eu sambei. Sambei sem saber. Mesmo estando sozinho, não me senti só. Tanta gente desconhecida num mesmo balanço, no mesmo samba. Mesma idade, idade diferente. Ninguém se importava. Isso era problema de quem não sabia viver. O meu samba é nosso samba, o seu samba é nosso samba. De quem é o samba, se não for de quem quer sambar?
Eu queria, tanta gente também. De quem é o samba se não for de quem quer fazer da vida uma alegria sem fim?
Saí de casa para sambar. Saí de casa para viver. Cansei de sair por aí sem saber o que ser. Meu samba fez com que eu me sentisse melhor, me fez sentir que sou alguém. Fui alguém melhor durante certo tempo, o tempo exato do momento que durou o samba. O meu samba sem cadência. E meu samba não foi o samba de uma nota só. O meu samba durou e permanece até hoje ecoando naquelas noites em que eu tento aprender a sambar, a viver.

quarta-feira, junho 15, 2005

Amor nosso de cada dia.

A vida é imprevidente. Ela não nos diz o que irá acontecer amanhã. Dizem que o sábio também é um imprevidente. Vive apenas o dia de hoje. Não pensa no futuro. Não planeja nada. Logo, a vida é uma sábia.
Todavia creio eu que minha vida não anda tão sábia assim. Meu futuro é uma inquietação permanente para mim, contrariando a recomendação dos filósofos para que eu o tire da cabeça e me concentre apenas no presente.
Noite dessas, estava pensando em tudo o que tenho. Cheguei ao seguinte resultado: eu tenho medos, sim, medos... Dos mais banais aos mais peculiares. Temo perder o emprego (que ainda nem tenho). Temo não ter dinheiro pra pagara as contas. Temo ficar doente. Temo morrer na data que não escolhi. Temo não ter filho (a). Temo ser traído numa relação amorosa. Não necessariamente nessa ordem. Mas tenho medos. Tenho medo do colapso de todos os meus planos. O futuro é mesmo assustador! Para piorar colei meu passado ao futuro, pulando o presente. Caí em prantos! Lágrimas ainda mais salgadas limpavam a oleosidade do meu rosto. Soluçava quando senti alguém tocando meus ombros. Cinco minutos depois de conversa e uma frase final (Eu te amo muito!) e as lágrimas tristes cessaram.
Sozinho novamente, retomei meus pensamentos, agora por outro ângulo.
O mundo neurótico em que arrastamos nossas pernas trêmulas de receios múltiplos deriva, em grande parte, do foco obsessivo no futuro. E não falo de um futuro paradisíaco, mas de um amanhã cheio de trevas e riscos e perdas. Há um sofrimento por antecipação cuja única função é tornar a vida ainda mais áspera do que já é.
A frase final (Eu te amo muito!) tocou como sino na minha cabeça. Não tão somente por ela em si, mas ainda mais importante por quem a disse. Minha amiga. Eu tenho amigos e amigas.
Ainda tenho medos. Mais do que queria ter. Porém essa minha amiga me lembrou de tudo o que já tenho e de tudo o que ainda me aguarda... Mais coisas melhores do que piores. Não sei se tenho mais ou menos amizades do que mereceria ou quereria. Sei que não temo morrer hoje infeliz. Tenho amizades suficientes para estampar um largo sorriso no dia final. E esse, ao futuro pertence. A arte de viver bem passa pelo amor, nas suas várias formas, vários graus e gêneros.
Eu não sou nenhum imprevidente, logo, não sou nenhum sábio. Entretanto tenho sabedoria suficiente para entender que nunca é tarde demais e nem cedo demais para demonstrar amor a quem se ama. Isso, nenhum futuro, por mais assustador que seja, pode nos tirar. Ser sábio é também cuidar de quem se ama, a cada novo dia, no dia de hoje.


Pra você... que tocou meus ombros. E pra todas as pessoas que eu amo e que por ventura me amem.
Sei que é difícil eu demonstrar sentimentos, mas saiba que te amo.